O SACRIFÍCIO DE JESUS
A História está repleta de narrativas destinadas a salientar os
sofrimentos do homem ou o espetáculo da dor humana. Romances, novelas, teatro
e, mais recentemente, o cinema têm encontrado na dor o seu campo de atividade
mais efetiva. Alguns autores objetivam a crítica, a censura ao mal, ao crime,
às paixões humanas: outros visam mesmo à encenação espetacular da violência, à exacerbação dos sentidos, nos chamados
filmes de suspense.
William Shakespeare surgiu no século XVI como o campeão dos
campeões na arte de evidenciar a dor humana. Ele, o maior dramaturgo de todos
os tempos, escolheu, como motivo principal de suas histórias narradas em versos
de expressividade inimitável até nossos dias, a tragédia. E em seus dramas
trágicos, desde o famoso "Romeu e Julieta" a "Otelo" e
"Mac Beth", a sua preocupação maior
não foi com a chamada dor física, mas com a dor moral. No entender do grande
poeta inglês é a dor moral a que mais punge e excrucia. A dor corporal quando
não mata passa e, às vezes com o olvido, as próprias cicatrizes desaparecem. O
mesmo não acontece com as dores morais. Elas não costumam deixar cicatrizes no
corpo, deixam marcas na Alma. Elas, as dores morais, têm, nos despreparados, o
poder de envelhecer, de enlouquecer e também de matar. É o caso da calúnia e
das grandes decepções, na Alma humana.
Todavia, a chamada Paixão de Cristo tem sido pintada por poetas,
escritores, filósofos, dramaturgos e teólogos como a mais singular e
incomparável de todas as tragédias que a Humanidade testemunhou em toda a sua
história. Não obstante, o que o homem faz questão de evidenciar como terrível e
hediondo é o aspecto físico da paixão de Jesus. Os cravos nas mãos. A coroa de
espinhos. As incontáveis chibatadas com o sangue a se lhe derramar abundante do
corpo. O rosto retratado na toalha de Verônica. A última lancetada em um dos
lados, quando já no alto da cruz. É tudo quanto de horroroso o homem consegue
perceber nos sofrimentos do Cristo. Nada mais.
Tudo passou. Tudo acabou. E isso se repete todos os anos, comemorativamente, na
emocionalização das cenas narradas, dramatizadas, televisadas,
cinematografadas. Só. O espetáculo de um Rabi martirizado.
Mesmo assim, não negamos e ninguém tem o direito de negar que Jesus
sofreu. O fato de possuir, realmente, um corpo especial, fluídico, mas
tangível, na conformidade de sua vontade e consoante as situações criadas pela
dificílima missão de que estava incumbido, isso não significa insensibilização.
Quem não se recorda de seu contato com a mulher hemorroíssa de que falam os
três evangelistas sinóticos? Conforme está na narração de Lucas (8: 46):
"Alguém me tocou, porque bem conheci que
de mim saiu uma virtude." Tal era a sensibilidade espiritual de Jesus.
Entretanto, os fatos nos informam que não foram esses os
verdadeiros nem mesmo os maiores martírios do Mestre. Aliás, os chamados
martírios da dor física já passaram realmente. E a dor moral? Será que ela
também passou? Será que esse terrível tipo de martírio sofrido por Jesus, mas
esquecido ou nunca levado em conta pelos homens, também passou?
É justamente nesse sentido que o gênio de Shakespeare se tomou
grandioso, porquanto é a dor moral que ele enfatiza. A dor que é tormento para
a alma. Teve ele a acuidade de penetrar fundo no Espírito para sentir e
elucidar quanto àquilo que mais punge no ser: a dor moral. Quem, conhecedor das
tragédias do grande dramaturgo, esquecido ficou das tormentas morais que
violentamente sacudiam a alma de Hamlet ou do tempestuoso e crucial desespero
de Lear diante da ingratidão das filhas, ao verificar que não era amado por
elas, tendo-lhes entregue todo o seu vastíssimo reinado? Que leitor esquecido
ficou, finalmente, da angústia da jovem Julieta ao despertar do efeito da droga
que a fizera dormir, diante do corpo morto de Romeu?
É que Shakespeare descobriu nas dores morais a mais terrível
expressão do sofrimento da Alma. Mas o homem, em sua ingenuidade, mostra-se
tendente a destacar e explorar, sempre que pode, o aspecto físico da dor.
Talvez, quem sabe, esteja nisso a causa de tanta comiseração para com o Cristo
crucificado e tanta indiferença para com a dor espiritual do Cristo vivo. Daí
observarmos uma maneira mística de crer, respeitar e venerar um Cristo morto,
impassível, quando na verdade, é do Cristo vivo que nos vem o apelo no sentido
da renovação interior da Alma humana.
Afirma a "Revelação da Revelação" - obra recebida através
da mediunidade da Sra. Collignon e organizada por J.-B. Roustaing, que Jesus
não sofreu dor física, mas seu sofrimento moral foi de caráter inenarrável.
Dotado de um corpo especial apropriado à missão de que lhe incumbira o
Pai celestial, o sofrimento lhe atingia
diretamente a. essência espiritual, desenvolvendo em seu Espírito uma
angústia que nenhum ser mortal teria condição de suportar. Por quê? Porque não
lhe era possível desligar-se da missão que assumira para pensar em si próprio.
Ele encontrava em si mesmo e na assistência que recebia diretamente do Pai
todas as condições para superar os paroxismos da dor.
E, aqui, chamamos a atenção para um outro aspecto do sofrimento de
Jesus, tanto no que concerne ao que consta de "O Livro dos
Espíritos", Questão 113: "não estando mais sujeitos (os Espíritos
Puros) à reencarnação em corpos perecíveis, realizam a vida eterna no seio de
Deus", quanto ao que nos informam os Espíritos em relação à passagem pela
atmosfera densa de nosso Planeta de Espíritos Superiores. Ora, se Jesus estava
além da superioridade espiritual, como PURO ESPÍRITO, não será difícil, mesmo a
uma inteligência mediana, formar um juízo correto a respeito desse outro tipo
de sofrimento do Mestre: a distância espiritual que o separava dos homens de
então.
É óbvio que para muita gente seria absurdo Jesus não ter sofrido
dor física. O Senhor não ter sofrido dor corporal constituiria uma amarga
frustração para quem tem nesse tipo de dor o clímax do espetáculo. E têm razão!
Não foi isso que se explorou durante quase dois milênios? Não é através da dor física que o homem tem sido ensinado a
sensibilizar-se? Não é o sistema utilizado, ainda hoje, pelos carrascos de
determinados subúrbios sociais para sensibilizar aqueles de quem são esperadas
certas confissões?
Eis que os Espíritos informam de modo peremptório': "Jesus
sofreu, oh! sim, sofreu cruelmente, não na sua "carne", mas em seu Espírito. Cada
pancada do martelo nos cravos que lhe traspassavam as mãos e os pés fluídicos,
mas tangíveis, lhe ia ferir a sensibilidade e lhe fazia correr da alma o sangue
mais precioso: o sangue do amor e do devotamento que vos consagra." [1]
Sim. Indubitavelmente, Cristo sofreu!
Sofreu?
Que estamos dizendo?
O Cristo sofre. Sofreu e sofre, porquanto não é na carne física e
perecível que se encontra a sensibilidade do Ser, mas na essência espiritual.
Daí não sofrer o corpo de que se haja ausentado o Espírito. Basta uma
vontade poderosamente educada para isentar de
dor física qualquer parte do instrumento carnal de que se utilize. Isto quando
falamos de Espíritos Superiores educados e dotados de uma capacidade mental
altamente desenvolvida. Aqui, neste estudo, estamos tratando do Cristo, a mais
elevada essência espiritual que este Planeta conheceu. A respeito do sofrimento
de Jesus, esclarece-nos, ainda, o iluminado Emmanuel:
"De modo algum poderíamos fazer um
estudo psicológico de Jesus, estabelecendo dados comparativos entre o Senhor e
o homem." [2]
Tivesse sido a dor corporal o sofrimento maior do Cristo e
poder-se-ia quase dizer que ele nada sofrera. Houvesse sido essa a sua dor
maior, e já estaria Ele totalmente liberto do amargor da cruz. Ainda não faz
muito tempo, a televisão apresentou a terrível imagem de um homem religioso
pertencente a determinada seita (se não nos enganamos - oriental) que, em sinal
público de protesto, fez incendiar o próprio corpo físico, mantendo-se sentado,
de pernas cruzadas, em posição característica, até que o corpo ficasse
completamente carbonizado. Já alguém imaginou a capacidade mental de superação
da dor daquele místico? Não havia ali um santo.
Sua conduta era a de um suicida. A propósito, recordemos as seguintes palavras
do companheiro, já desencarnado, Ismael Gomes Braga:
"( ... ) Com seu ilimitado poder sobre a matéria e o
magnetismo, mesmo que tivesse um corpo material, gerado, Jesus poderia torná-Io
insensível, como fazem hoje médicos e dentistas em operações cirúrgicas. ( ...
)"[3]
Quanto ao Cristo, por que não ajudá-Io a libertar-se do sofrimento
maior que ainda o aflige? Bastaria que nos
ajustássemos à sabedoria de seu Evangelho, libertando-nos, por nossa vez, das cadeias
perniciosas que nos prendem aos vícios, ao ódio, às paixões. Amemo-nos em
pensamento, em gestos, em atos de bondade em favor de toda a Humanidade.
Ao dizer que Jesus não sofreu fisicamente, não nega os Espíritos a
sensibilidade do Mestre. Afirmam o seu extraordinário poder de vontade e
soberania espiritual. Ele sentiu, sim, a dor que a maldade humana lhe impingiu.
Apenas não teve tempo para se preocupar com ela, porquanto na intimidade de seu Ser ocorria um suplício muito maior,
para ele muito mais profundo: o suplício de ver-nos indiferentes e a fazer
pouco caso do código de sabedoria com que presenteara o mundo:
“o Evangelho”!
Ele trouxe o Evangelho à Terra para que a
Humanidade aprendesse a amar e a ser feliz. E alertou: "Conhecereis a
verdade e a verdade vos tornará livres" (João, 8: 32). E concluiu mais
tarde, quase à hora do sacrifício: "Eu sou o caminho, e a verdade, e a
vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim" (João, 4:16).
Não sejamos ingratos. Se Jesus se utilizou ou não de sua capacidade
de auto superação das dores físicas que lhe foram infligidas, não nos compete
exigir dele qualquer explicação. Ainda aí estamos agindo e estaríamos
agindo à maneira de fariseus hipócritas. Isto é, se ele respondesse aos seus
inquiridores: "Não, não sofri" - teria enganado aos homens, e seria
réu de falsidade; por outro lado, se ele informasse: "Sofri, sim, todas as
dores físicas, todas as torturas" - seria tachado de masoquista,
porquanto tinha o poder de superar as dores que lhe aplicaram ao corpo fluídico,
mas tangível, e não quis fazê-Io.
Bem mais importante do que discutir sobre os sofrimentos de Jesus
seria refletir em torno de seu intraduzível sacrifício em favor de todos nós. Por que ao invés disso tudo não o
libertamos da dor espiritual que continua a cruciar-lhe o sublime
coração? Para tanto bastaria elidir de nossas almas o egoísmo avassalador
e cruel, causa indubitável de todos os males que fustigam incessantemente a
Humanidade. Foi para isso que Ele veio, que se deixou imolar. E é em função disso
que Ele ainda sofre, como se crucificado permanecesse. Reflitamos,
espiriticamente, sobre tudo isso. E, brandos e pacíficos, de corações limpos,
engajemo-nos, incondicionalmente, na sabedoria de Seu Evangelho.
Autor: Inaldo Lacerda Lima
Reformador – Dezembro de 1985
(1) J-B Roustaing – “Os Quatro Evangelhos”, Vol. 2, pp. 455/456,
6ª. Edição - Feb
(2) Emmanuel – “O Consolador”, Questão 287, 11ª. Edição – Feb
(3) I. G. Braga – “Elos Doutrinários”, p. 134 (Rodapé), 3ª. Edição
– Feb
(Nota do Transcritor: Fernando Rosemberg Patrocínio: ao dizer:
corpo fluídico, mas tangível: devemos compreender algo similar ao corpo humano,
de características físicas as mesmas, porém, construído, coordenado e dirigido
pela mais alta Mente, ou Espírito, já concebido pela mentalidade infante dos
homens. Como dizia Paulo, em hebreus, em se referindo a Jesus: “Sem pai, sem
mãe, sem genealogia, não tendo nem princípio de dias nem fim de vida, mas tendo
sido feito semelhante ao filho de Deus, permanece sacerdote perpetuamente).
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51-Cosmogênese do Terceiro Milênio;
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